Bairro da Liberdade
Ao fim de quatro anos desocupada, encosta tornou-se 'o novo Casal Ventoso'
Uns chamam-lhe o novo Casal Ventoso, outros falam de Beirute ou do Iraque. Desocupada há quatro anos por perigo de derrocada, a encosta do bairro da Liberdade, em Lisboa, está hoje destruída, entaipada e ocupada por toxicodependentes
«O nosso bairro está uma miséria», diz uma moradora, logo sustentada por outra: «as casas por fora parecem estar bem, mas por dentro é uma desgraça, roubaram tudo para vender ao ferro-velho».
A destruição começou depois de Fevereiro de 2004, quando sessenta famílias que moravam na Rua Inácio Pardelhas Sanches, em Campolide, foram realojadas em casas alugadas pela Câmara de Lisboa para permitir obras de estabilização do talude, previstas para um período de oito meses, findo o qual regressariam.
Quatro anos depois, os moradores continuam alojados em casas espalhadas pela cidade, embora já pudessem regressar desde 2006, quando foi feita a vistoria aos edifícios após as obras de demolição.
Segundo o presidente da Junta de Freguesia de Campolide, Jorge Gonçalves, os moradores não se mudaram porque nunca foram notificados pela autarquia.
Agora, apenas «duas ou três famílias» podem regressar, porque a grande maioria das casas foi vandalizada e transformada em abrigo para toxicodependentes.
Durante uma visita ao bairro, Jorge Gonçalves afirmou que «a Câmara de Lisboa não conseguiu salvaguardar o património», enquanto apontava para um prédio de oito apartamentos que «estruturalmente está bem, mas que foi todo destruído por dentro».
Esta acusação é refutada pela vereadora da Habitação (PS), Ana Sara Brito, que lembra que as habitações são particulares e que «os senhorios têm de assumir as suas responsabilidades».
«Há a responsabilidade dos senhorios, que estão a receber renda e não têm preocupação com as pessoas», sustentou a autarca, avançando que já pediu ao departamento do Património e Imobiliário que notifique os senhorios para repararem as casas para que as pessoas que estão em habitações arrendadas pela Câmara regressem.
A autarca sublinhou que nas habitações em que a Câmara tem responsabilidade, «a decisão é fazer a recuperação e integrar as pessoas em segurança».
Entretanto, as casas desocupadas estão «escondidas» por um tapume que, segundo moradores do bairro, apenas serve para esconder a desgraça do olhar das pessoas.
«Com o taipal ainda foi pior. As pessoas escondem-se lá dentro e fazem o que querem», disse à Lusa um morador.
Quem olha para lá do tapume encontra um cenário desolador. As habitações estão pintadas com graffitis, cheias de entulho, colchões, sofás, pratas queimadas e seringas usadas.
«Parece Beirute», disse o autarca de Campolide, lembrando que o bairro da Liberdade, apesar de ter alguma «má fama», era «perfeitamente seguro».
Com o fim do Casal Ventoso, os toxicodependentes ficaram sem abrigo e começaram a utilizar as estruturas desabitadas no bairro para consumo de droga e para passarem a noite, sustentou o autarca, contando que «há pessoas a injectar-se a céu aberto».
O autarca revelou que há seis semanas houve um crime de homicídio em Vila Ferro, o que já não acontecia há 30 anos, e também já ocorreu um incêndio numa casa abandonada.
Comerciante no bairro há 45 anos, Fernando Salgueiro contou à Lusa que o abandono das casas levou muitos toxicodependentes para o bairro.
«Isto agora é o novo Casal Ventoso», sublinhou o comerciante, que viu o seu negócio arruinar-se com a saída das pessoas do bairro.
Aida Cruz, 70 anos, tinha uma peixaria na rua que teve de abandonar há quatro anos. Desde essa altura recebe uma compensação mensal de 500 euros da autarquia pelo fecho do estabelecimento.
A comerciante, que vendia peixe no bairro há meio século, mostrou à Lusa o estado em que lhe deixaram a peixaria: entulho por todo o lado, vidros partidos, folhas de livros das finanças espalhadas pelo chão, ombreiras das portas e janelas arrancadas.
«Eu quando entro aqui até fico doente. Isto estava espectacular e agora está tudo destruído. Até tiveram o prazer em descascar os fios da electricidade», disse Aida Cruz, comentando enervada: «É o Iraque autêntico».
Belmira Gonçalves, 53 anos, está entre os poucos moradores que, para já, vai regressar ao bairro, depois de ter feito dois pedidos à autarquia - o último em Julho do ano passado - para voltar à sua casa, o que foi concedido em Fevereiro.
O edifício onde mora não foi alvo de actos de vandalismo porque o estabelecimento do rés-do-chão manteve-se em funcionamento, contou a moradora, que não consegue esconder a satisfação de poder voltar ao bairro onde morou toda a vida.
«Sinto que é bom para mim, porque vou para a minha casa, e para a Câmara que está a gastar 850 euros por mês com o aluguer da casa onde estou a morar em Benfica», sublinhou.
Durante os quase quatro anos que viveu em Benfica, Belmira Gonçalves continuou a pagar uma renda de 300 euros pela casa no bairro da Liberdade, onde tinha investido 10 mil euros em obras de recuperação.
A moradora apenas lamentou que a Câmara só lhe tenha dado um mês para deixar a casa em Benfica e fazer a mudança.
Lusa / SOL
terça-feira, 29 de abril de 2008
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